Saturday, August 1, 2009

Neysa 19/11/99 - CRIANÇAS, FILMES, HISTÓRIAS TRISTES E O HOMEM ELEFANTE

Quando eu tinha mais ou menos um ano de idade, eu fui diagnosticada com luxação congênita. Meus pais não suspeitavam nada de errado até eu começar a andar. Eu usei um aparelho de gesso por mais de um ano, pra colocar os ossos no lugar certo. Eu não podia andar, eu não podia brincar. Minha avó costumava me colocar na mesa da cozinha, e eu escutava o rádio e brincava com os talheres enquanto ela cozinhava. Ela era a minha melhor amiga. E eu sabia cantar todas as músicas que tocavam no rádio.

Eu acho que é por isso que eu falo pouco e sou tímida. Na época que era pra eu estar correndo e brincando com outras crianças, eu tinha que brincar sozinha. Eu tinha uma prima que vinha brincar comigo de vez em quando. O brinquedo favorito dela era sempre o que ela via na minha mão. E eu não podia correr atrás dela.

Depois disso minha vida foi uma série de médicos, viagens e radiografias. O gesso não consertou os meus ossos, e a gente viajava com frequencia pro Rio ou São Paulo (a gente morava em Curitiba) procurando um médico que soubesse o que fazer. Então mais gesso, depois aparelhos, sem resultado.

Eu acho que a maior parte da minha infância foi normal. Claro que eu não podia correr com as outras crianças, mas eu fui pra escola, eu ajudava a minha mãe às vezes em casa, e eu até saía às vezes pra comprar pão ou outras coisinhas que ela precisasse.

Um dia quando eu tinha nove anos, eu estava indo comprar pão, eu ouvi uma mulher falar pra filha dela quando eu estava passando "Tadinha, ela é aleijada."

Aquilo me surpreendeu. Eu não tinha idéia que era assim que as pessoas me viam. Eu nunca via a mim mesma como uma "aleijada". Meus pais nunca me trataram como uma "aleijada".

Pensando nisso agora, eu imagino como eles devem ter sofrido, como eles devem ter tentado me proteger. Mesmo assim, eles sempre me ensinaram a ser independente.

Eu continuei no meu caminho, mas essas palavras nunca saíram da minha cabeça. Então, isso é o que o mundo achava que eu era. Felizmente, eu nunca aceitei isso. Eu sabia que eles estavam errados.

Eu não posso dizer que essas palavras não me machucaram. Machucaram sim. Eu não sabia como lutar, eu não sabia o que fazer.

Eu demorei algum tempo pra entender que a minha atitude mostraria ao mundo quem eu realmente sou. Você não pode lutar contra o que as pessoas pensam. A única maneira de provar que eles estão errados é mostrar quem você realmente é.. Pouco a pouco. Dia após dia. Leva tempo. Mas funciona.

Eu descobri que tem muitos aleijados com corpos e mentes perfeitos. Eles são muito bons em encontrar desculpas pra não fazer o que eles deveriam. Sempre reclamando. Sempre mostrando ao mundo como eles são infelizes. Essa é a escolha deles. Não a minha.

Eu nunca tive pena de mim mesma, e eu nunca deixei ninguém sentir pena de mim. É um desperdício de tempo, e eu tenho coisas melhores pra fazer.

Aconteceu outras vezes. Algumas pessoas tentaram mesmo me ofender. Mas então eu já estava preparada.

Eu notei que muitas pessoas são incapazes de olhar nos olhos de alguém que tem um problema físico. Eles não sabem como lidar com isso, e eles tentam se proteger de sentimentos que eles não conseguem administrar. E eles acabam te fazendo invisível. Eles preferem não ver. Eles esquecem que você tem sentimentos. Na verdade eles não acham que você tem sentimentos. Acho que eles pensam que você está tão ocupado sendo um aleijado que você não teria tempo pra falar, sorrir, ter ideias.

Eu sei que essas pessoas nunca tiveram a intenção de me ferir. É só que eles não sabem o que mais fazer.

Finalmente, depois de inúmeros médicos e raios X, eu fui operada quando eu tinha onze anos, e meus quandris foram consertados, em novembro de 1971. Depois da cirurgia, eu usei outro gesso por três meses, até os ossos se consolidarem.

Quando chegou o Natal, a família toda veio celebrar na nossa casa. Eu não podia andar, então meus pais decidiram me colocar no sofá da sala, pra eu poder participar da festa. Primos, tios, tias, eles todos vinham de uma sala pra outra, e evitavam olhar quando passavam por mim.

Eles não queriam que eu visse nos olhos deles que eles tinham pena de mim. E quando os nossos olhares se encontravam, eles não sabiam o que dizer.

Eu sei o que é se sentir invisível. Eu sei o que é não ser visto como uma pessoa.

A primeira vez que eu assisti O Homem Elefante, eu não simplesmente chorei. Eu solucei! Eu sabia exatamente como ele se sentia. E eu admirei a sua coragem.

Tudo isso que eu acabei de contar, Dave, é parte de mim. Parte do que eu sou.

Tudo isso me fez crescer e me tornar a pessoa que eu sou hoje. E eu acho que eu sou uma pessoa muito melhor do que eu seria se não tivesse tido todas essas experiências.

Eu não tenho rancor. Eu não tenho pena. Eu tive a força de superar isso tudo. Eu amo a vida. Eu amo as pessoas. Eu amo ver a beleza onde quer que ela esteja. Eu amo essa menina que eu fui. (às vezes eu queria poder abraçar e beijar essa menina e dizer pra ela que tudo vai ficar bem) E mais do que tudo, eu amo a mim mesma. EU VENCI!

Dave,

você me disse pra não me reprimir. Eu não estou me reprimindo, como você pode ver. Só Deus sabe como foi difícil escrever isso. Muito poucas pessoas já ouviram essa história. Mas acho que eu me construí em cima dessas experiências tristes, e qualquer pessoa que queira me conhecer tem que saber essas histórias.
Novamente, eu não sou triste, e eu não sou infeliz. Eu não acho que o mundo me deve nada. Então, não fique triste ou infeliz por mim.

Eu vou ser mais amena nas próximas mensagens, eu prometo!


Amor,

Neysa

1 comment:

  1. sua historia de vida é linda e nos mostra que umas pessoas DEUS pega no colo e outras ele ensina á andar como foi o seu caso

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